Formação de Ministros de Batismo e de Casamento do povo Tiryió, Pará.

O povo Tiryió tem uma ligação de muitas décadas com a Igreja. Assistidos desde 1960 pelos frades franciscanos através da Missão Tiryió, eles estão dentro da Área de Preservação Serra do Tumucumaque, Estado do Pará, na fronteira entre o Brasil, Suriname e Guianas. Os povos indígenas estão a 50 km da fronteira com o Suriname, transitando livremente a pé entre este país e o Brasil. O acesso até a região só é possível por avião fretado. Durante décadas, um convênio entre a Missão e a Força Aérea Brasileira – FAB garantiu a assistência aos índios por parte da ordem franciscana. Já nos primórdios da Missão, pensando numa fonte alternativa de proteína animal, e considerando também a predominância dos campos alagadiços na região, Frei Paulo implantou a criação de búfalos. Hoje, os índios dominam plenamente a técnica de criação destes animais, criando também gado branco. Com isso eles sempre têm carne na alimentação, compensando a diminuição da caça. Por outro lado, pela falta de estrutura, não aproveitam o leite. Atualmente, quem serve a Missão são dois frades que estão lá há mais de quarenta anos, um com 82 outro com oitenta anos, e um terceiro frade de 72 anos.

Além dos franciscanos, várias congregações de irmãs integraram a Missão, desde o começo. Atualmente, as Franciscanas de Maristela se encontram lá, renovando a Missão com sua força e vontade de trabalhar.

Pela própria dificuldade de acesso, o lugar se manteve até recentemente bastante protegido; mas os Kaxuyana, pressionados pelas invasões e por grandes obras também migraram para lá. Os Kaxuyana do Rio dos Cachorros querem voltar para sua terra, mas a grande maioria não. Há osTxikyana e outros subgrupos que convivem na área, mas a língua geral falada em todas as aldeias desta parte do parque é Tiryió; os Kaxuyana falam também a sua língua, e os Txikyana falam tiryió. Devido ao isolamento e à dificuldade de acesso as famílias e grupos distantes têm pouco contato entre si. No início, estavam todos morando na Sede da Missão, mas eles se espalharam pra defender e proteger a terra. Nos campos gerais, existem “ilhas” de floresta em que moram famílias, mas não existe condição de produzir para alimentar grupos maiores. Segundo a irmã Rebeca Spires,

“a dificuldade é para se encontrar, porque para viajar pelo rio você precisa tanta gasolina que o barco não agüenta levar; para andar por terra não dá, porque os campos gerais, em boa parte do ano, ficam alagadiços; e há grandes distâncias. Então o pessoal tem dificuldades de se ver. Comunicam-se bastante por fonia, mas, quando se reúnem, é normalmente porque o governo manda buscar de avião, para um lugar central para fazer alguma atividade”.

O Frei Protásio, de 82 anos, é quem mantém a hidrelétrica que os frades montaram. Quando tem água suficiente (como nos meses atuais, de muitas chuvas) há energia; nos outros meses eles dependem de combustível para gerar eletricidade. Até algum tempo, a FAB transportava o combustível para a aldeia, mas deixou de fazer este trabalho. Assim, a falta de energia cria alguns transtornos para o povo. As forças Armadas agora estão voltadas mais para as atividades de vigilância da fronteira: há um contingente maior de militares, e além do destacamento da FAB, que continua lá, funciona agora o destacamento do Exército para o Sistema de Vigilância da Amazônia – SIVAM, com seu complexo tecnológico.

Há algum tempo, os frades franciscanos vêm se preocupando com a continuidade da assistência religiosa aos Tiryió. Os três frades já estão em idade avançada, e apenas um deles é padre; assim, as aldeias passam muito tempo sem receber o padre e, conseqüentemente, os sacramentos. Partilhando esta preocupação, a Diocese de Óbidos, na pessoa de Dom Bernardo, proporcionou o transporte e a autorização para que o Padre Nello e a Irmã Rebeca se dirigissem à Missão Tiryió com a finalidade de formar Ministros de Batismo e de Casamento entre o povo Tiryió.

Uma barreira inicial para a realização do curso foi a língua: poucos falam bem o português; nem mesmo as lideranças das aldeias têm domínio da língua. Então, para cada assunto apresentado, quem tinha entendido repassava aos outros na língua tiryió. Por coincidência, o Núcleo de Educação Indígena do Estado estava promovendo, na mesma ocasião, um curso para professores indígenas, e seis destes também foram participar do curso de Ministros do Sacramento. Chegou-se ao número de vinte participantes, todos muito interessados e assíduos.

Para resumir as atividades do curso, foi enfatizado o seguimento a Jesus, o compromisso missionário e qualidades do evangelizador. Estudaram os sacramentos e maneiras em que a comunidade pode celebrar o perdão, partilha e atenção aos doentes. Para os temas “batismo” e “casamento” estudaram o ritual e como se pode incorporar elementos culturais que fortificam a vivência da fé. Foram ensaiados um batismo e um casamento. Depois que a tradução ficar pronta, a Equipe do Mensageiro irá preparar um roteiro impresso em Tiriyó.

No fim do encontro, foi celebrado um rito simples o compromisso de cada Ministro e cada Ministra e o Padre Nello os autorizou para exercer os ministérios, cada um na sua aldeia. Foram designados como ministros oficiais de sacramentos um por aldeia, das cinco mais distantes, e um na sede que é o Tito, cacique geral e sempre presente aos assuntos da Igreja. No envio, cada um recebeu o prazo de dois anos a terminar no Pentecostes de 2016. A idéia é dar oportunidade para uma avaliação e ver como proceder depois disso.

Reflexões sobre o curso:

A idéia que perpassa o Curso de Ministros dos Sacramentos é a de que, mesmo na falta do padre, a comunidade pode e deve, através dos Ministros, realizar os rituais católicos. É uma forma de dar autonomia à Igreja, que é a própria comunidade, por mais afastada que esteja dos grandes centros, ou com falta de sacerdotes. Trata-se de fazer celebrações alternativas, em que o povo adquire uma compreensão maior da mensagem do Evangelho a partir da prática cotidiana. Eles são perfeitamente capazes de assimilar a Boa Nova de Jesus, e de retransmiti-la ao povo, reforçando a finalidade dos Sacramentos, não como um rito repetitivo, mas como um ato que visa multiplicar o amor de Deus.

A respeito do sentido dos Sacramentos, e da necessidade de autonomia para a Igreja, o Padre Nello faz a sua análise:

“…A gente explicou para eles que ‘é o sábado para o homem, não o homem para o sábado’, então se parte da finalidade das coisas. Por exemplo, a missa: na missa é onde tem o padre; onde tem o padre é aquilo estilizado, mas para que serve esta missa? A missa é o memorial da Morte e Ressurreição. Mas como é que esse memorial se concretiza? Através do serviço e da partilha! Tanto é verdade que em João [Evangelho de] nem tem a Eucaristia, tem só o serviço e a partilha. Então é importante aquilo. Se não tem o padre, e vamos celebrar a Eucaristia, como é que se vai fazer? A finalidade é o serviço e a partilha; então vamos ler um trecho da Palavra de Deus, que lembra aquilo que Deus fez para nós. E vamos dizer ‘agora nós vamos fazer a mesma coisa entre nós’- fizemos assim na quinta feira Santa [na Missão]; vamos compartilhar a comida: cada um traz alguma coisa, mistura e pronto: aquilo que acontecer aqui tem que acontecer na vida de cada dia, senão não vale nada.”