Carta de Dom Bernardo: conheça a proposta da missão Moçambique

Igrejas Irmãs CEM – Moçambique e CNBB Norte 2 – Pará/Amapá

Assembleia dos Bispos – Maputo 05.11.2013

Dom Bernardo Johannes Bahlmann, OFM

Bispo de Óbidos – Pará – Brasil

Vice-Presidente da CNBB Norte 2

Presidente do Conselho Missionário Regional Norte 2 – Comire

 

  1. Introdução:

 

Existe entre as duas Igrejas de Moçambique e do regional Norte 2 da CNBB, Estados do Pará e Amapá, na Amazônia, o desejo de criar uma parceria, ou seja um projeto de “Igrejas Irmãs”. Já faz algum tempo que estamos em contato com Dom Lúcio Andrice Muandula, presidente da CEM, que durante suas visitas ao Brasil conheceu a nossa realidade. Sou muito grato pelo convite em fazer uma visita ao vosso país e ao mesmo tempo poder apresentar a nossa proposta de viver uma maior comunhão entre as nossas duas Igrejas Particulares.

 

Gostaria apresentar como poderia ser a nossa pareceria, descrevendo primeiramente a nossa região da Amazônia, a realidade da Igreja, a motivação desta parceria e como poderemos caminhar juntos.

 

  1. Duas Igrejas no Hemisfério Sul:

 

No início devemos levar em consideração que se trata aqui uma relação de duas Conferências Episcopais de dois países do hemisfério sul, portanto, estamos nos movendo de uma país do sul para um outro país do sul.

 

Vivemos situações semelhantes, sobretudo, na grande região da Amazônia que cobre 61 % do território nacional brasileiro. Mesmo assim a região da Amazônia Legal às vezes é tratada como se estivesse numa situação colonial com o restante do Brasil. De fato, a realidade é diferente do que em outros lugares do Brasil. Cada região tem a sua diferença e sua especificidade.

 

Muito tempo a realidade da Amazônia foi ignorada. Às vezes vivemos situações na Amazônia como se fossemos um outro país dentro do próprio Brasil. Tanto à nível político, econômico, social, como à nível eclesial.

 

Somente nos anos recentes a Igreja na Amazônia começou a ganhar mais importância na CNBB. Recentemente o Papa Francisco durante a sua viagem ao Brasil falou aos Bispos reunidos em Rio de Janeiro em ter uma atenção maior ainda para com a nossa região. A própria CNBB criou a Comissão para a Amazônia para dinamizar mais ainda a vida da Igreja na Amazônia, mas também para favorecer uma articulação maior para com as demais Dioceses em todo Brasil. O atual presidente da Comissão, Dom Claudio Hummes, OFM, não mede esforços para fortalecer a nossa região.

 

Na semana passada tivemos o 1ª Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal em Manaus. Os bispos e as Igrejas locais nesta região estão se articulando cada vez mais para fazer frente às grandes dificuldades e aos crescentes desafios, buscando respostas concretas em conjunto.

 

Eis alguns trechos da carta de conclusão deste 1º Encontro: “As palavras do Papa Francisco aos Bispos do Brasil por ocasião da Jornada Mundial da Juventude dão-nos novo impulso para refletirmos sobre a realidade politica e religiosa da Amazônia Legal e promover e defender a vida dos habitantes dessa região e de sua rica biodiversidade. Cala fundo em nosso coração a expressão do Papa Francisco que a Amazônia é “teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras” (Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013). Essas palavras incentivam-nos a retomar as intuições de Santarém 1972 e Manaus 1974 e dar-nos conta da atualidade das prioridades de então: formação de agentes de pastoral – comunidades cristãs de base – pastoral indígena – grandes projetos – juventude.“

 

“A Igreja que está na Amazônia não como aqueles que têm as malas na mão, para partir depois de terem explorado tudo o que perderam. Desde o início a Igreja está presente na Amazônia com missionários, congregações religiosas, sacerdotes, leigos e bispos e lá continua presente e determinante no futuro daquela área” (Papa Francisco aos Bispos do Brasil, Rio de Janeiro, 27 de julho de 2013).

 

Refletimos nestes dias sobre problemas que continuam a atingir e causar danos e ameaças à vida e à existência de pessoas e povos e ao meio ambiente na Amazônia. Ajudados por estudiosos e especialistas e ouvindo pessoas que sentem na pele os dramas causados por políticas de dominação em total desrespeito aos legítimos anseios e necessidades dos povos desta região:

• analisamos e discutimos a realidade urbana e a mobilidade humana que tantos sofrimentos tem causado aos povos amazônidas como o desenraizamento da terra e a perda do patrimônio cultural e religioso próprio e comum aos povos tradicionais e dos que vem de outras regiões;

• verificamos um acentuado crescimento das igrejas evangélicas e dos sem-religião também na Amazônia como conseqüência da precária presença de nossa Igreja nos movimentos migratórios;

• fomos informados a respeito dos grandes projetos implementados na região, de modo especial as hidrelétricas, que representam uma nova invasão do capital visando explorar as nossas riquezas naturais e aproveitar o potencial energético de nossos rios, sem olhar para os prejuízos que causam ao meio ambiente com sua imensa biodiversidade e a destruição da vida e da história de muitos povos tradicionais;

• o desmatamento contínuo e novamente crescente das florestas amazônicas nos assusta pelos prejuízos incomensuráveis e pela ameaça ao equilíbrio ecológico do planeta;

• frente ao desmatamento, à concentração da terra e às monoculturas percebemos a urgência da realização da Reforma Agrária e Agrícola;

• constatamos o crime impune da prática do trabalho escravo que ocorre nas empresas do agronegócio e nas áreas de mineração;

• ficamos horrorizados ante o criminoso tráfico de pessoas e drogas, sustentado pela ganância, miséria e impunidade, e o assassinato de jovens;

• ouvimos ainda os relatos de um representante dos povos indígenas e de um quilombola que nos falaram de suas organizações, lutas e conquistas e nos alertaram para os graves riscos de perderem, através da Proposta de Emenda Constitucional (PEC 215), direitos conquistados em relação à demarcação e garantia de seus territórios, asseguradas nos Art. 231 e 232 da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988; lembramos ainda que o Art. 68 das Disposições Transitórias da Constituição Federal reconhece aos remanescentes dos quilombos a propriedade definitiva de suas terras, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

 

  1. O Regional CNBB Norte 2 – Estados do Pará e Amapá

 

A CNBB Norte 2 é um dos 18 regionais da CNBB do Brasil e engloba as Dioceses e Prelazias que se encontram nos Estados Pará e Amapá, um território de 1.390.505 km² com uma população de aproximadamente 8,5 Milhões de habitantes. Faz mais de um ano que tivemos um plebiscito em relação da divisão do Estado do Pará em três Estados novos: Pará, Tapajós e Carajás. Infelizmente o plebiscito não foi favorável a reorganização do nosso Estado.

 

A população é muito diversificada. São povos indígenas, afro-brasileiros – filhos e filhas dos escravos, descendentes de portugueses e de povos europeus, sírio-libaneses, japonêses, asiáticos, judeus do norte da África e imigrantes do sul do Brasil.

 

Atualmente existem no regional CNBB Norte 2 uma província eclesiástica com 14 Dioceses e Prelazias. A Arquidiocese Metropolitana é Santa Maria de Belém do Pará, na capital do Estado do Pará. Estamos elaborando um plano para a criação de mais três novas Dioceses no leste e centro do Estado do Pará. Fazem parte do nosso regional 16 Bispos, dos quais dois são eméritos. O bispo auxiliar de Belém, Dom Teodoro Mendes Tavares, é o primeiro bispo africano no continente americano. Ele é um religioso espiritano que veio mais de 20 anos atrás do Cabo Verde. As nossas Igrejas particulares vivem muitas situações semelhantes, mesmo assim se percebe diferenças entre o oeste e leste e entre o norte e sul do nosso regional.

 

Há um forte compromisso nas questões da Evangelização, na transmissão da fé e na missão de anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. O desafio geográfico e as grandes distâncias não são barreiras para se encontrar com os fieis e as comunidades de fé. Porém, precisamos sempre novamente encontrar formas em como poder estar mais perto do Povo de Deus e como poder descobrir meios mais adequados e equilibrados em realizar o anúncio e a vivência da fé.

 

A Evangelização na nossa região tem algumas características próprias. Quero elencar apenas duas aqui. Por causa do reduzido número de padres, religiosos e religiosas nas nossas Igrejas locais, os leigos e leigas assumiram funções importantes, sobretudo, nas comunidades de fé, ou seja, nas Comunidades Eclesiais de Base. Muitas vezes os Padres fazem apenas uma ou duas vezes ao ano uma visita nas comunidades. Nestas circunstâncias os próprios leigos começaram a se organizar melhor, assumindo a coordenação das comunidades, os ministérios da comunhão e da palavra, a catequese, a liturgia e as demais pastorais.

 

Outra característica nas nossas Igrejas locais é a questão social. Os desafios socio-políticos e culturais fizeram que a Igreja fez uma opção em trabalhar mais a dimensão social. Já elenquei os desafios anteriormente quando falei sobre a Amazônia. Em todo caso não poderemos esquecer no anúncio da Boa Nova e realidade em que o Povo de Deus vive. Tentamos melhorar a situação da educação, da saúde, da infraestrutura, da dignidade humana, dos direitos humanos, etc. Muitas vezes levantamos as nossas vozes para denunciar situações irregulares e/ou situações que ferem os direitos humanos e a dignidade do ser humano.

 

  1. Comire – Conselho Missionário Regional – Norte 2

 

Já faz algum tempo que refletimos no Conselho Missionário Regional – Comire os vários aspectos da dimensão missionária nas nossas Dioceses e Prelazias. Percebemos que deveremos avançar na questão “Ad gentes“ e dar mais um passo em direção a uma missão fora do Brasil. Temos certeza que isso vai nos ajudar em crescer mais como Igreja e também na comunhão com outras Igrejas.

 

Como nasceu a idéia do projeto da parceria para com a Conferência dos Bispos de Moçambique? Alguns membros do Comire têm um contato com a Missionária Raimunda que está inserida na Missão do regional do Maranhão que acontece na Diocese de Lichinga. Assim tivemos informações sobre a realidade da vossa Igreja e do vosso país. Ao mesmo tempo conheci Dom Lúcio durante a sua visita ao Brasil e falamos sobre a nossa proposta.

 

A partir destes contatos começamos a pensar concretamente em assumir uma parceria. Esta proposta foi apresentada aos Bispos do regional da CNBB Norte 2 e foi unanimemente aceita. Portanto, poderemos contar com a ajuda dos Bispos do regional Norte 2 e das Igrejas locais.

 

O Comire se encontra cada dois meses. Este Conselho é responsável pela dinamização, articulação e execução da parceria.

 

Os Padres do Pime colocaram os seus espaços do Centro Missionário em Belém a disposição para cursos de formação missionária e para formar futuros missionários. Já criamos um pequeno fundo para poder financiar os custos para com a preparação, as viagens e manutenção dos missionários.

 

  1. Motivação

 

  • Comunidade de fé
  • Comunidade que quer aprender uma da outra – troca de experiências, conhecimentos e vivências
  • Comunidade de solidariedade – Projetos concretos

 

  1. Projeto – “Igrejas Irmãs“:

 

A parceria pode acontecer em três níveis para concretizar a nossa comunhão:

 

  • à nível dos Bispos
  • à nível dos Sacerdotes e Religiosos/as
  • à nível dos Leigos/as

 

Bispos: Eles fazem o acompanhamento e a tomada de decisões gerais sobre o Projeto “Igrejas Irmãs“, ou seja sobre a parceria. E prestam uma ajuda mútua na realização do „munus“ pastoral para concretizar mais explicitamente a nossa colegialidade episcopal.

 

Sacerdotes: Possibilitar um projeto missionário das “Igrejas Irmãs“ e podendo trabalhar por um determinado período numa das Dioceses das nossas Conferências Episcopais. Isto até poderia fazer-se na base de troca de sacerdotes, onde, por causa da exiguidade do pessoal missionário nas nossas Dioceses, fosse impossível dispensar um sacerdote para a missão. Seguramente eles voltariam muito mais enriquecidos às suas Dioceses de origem e deixariam também enriquecida a Diocese para onde fossem trabalhar.

 

Religiosos/as: Poderiam se inserir também neste projeto missionário com a autorização dos seus respectivos superiores.

 

Leigos/as: Em relação dos leigos o campo de atuação e cooperação é vasto. Poderão colaborar tanto na área da pastoral social quanto na catequese, missões de primeira evangelização, ensino nas escolas das missões, etc. Tudo isso dependeria em grande parte dos projetos pastorais de cada Diocese e das ofertas que cada uma das nossas Dioceses pudesse fazer em ordem ao enriquecimento dos outros.

 

A modalidade de envio poderia variar de acordo com as reais possibilidades dos próprios leigos, desde aos voluntários que ficariam 3, 6 a 12 meses, aos missionários que permaneceriam no lugar por um período de 2 a 3 anos.

 

Assuntos que poderíamos assumir e trabalhar em conjunto:

  • Retiros
  • Cursos de formação
  • Formação Permanente
  • Quilombolas e Tradições Africanas
  • Catequese
  • Liturgia
  • Caritas e Pastorais Sociais
  • Comissão Pastoral da Terra – CPT
  • Pastoral da Criança
  • Pastoral da Juventude
  • Pastoral das Famílias
  • Pastoral da Pessoa Idosa
  • Infância e Adolescência Missionária – IAM
  • Tráfico Humano
  • Drogas
  • Pastoral da Sobriedade
  • Meio Ambiente
  • Direitos Humanos
  • Comunicação
  • Educação
  • Saúde
  • Projetos eclesiais e sociais: assumir uma Paróquia, uma Área de Missão, Projeto Social, Escola, etc.

 

  1. Conclusão:

 

Tenho esperança em que a nossa comunhão eclesial e a colegialidade episcopal nos fornecem meios concretos em viver de uma nova maneira a missionariedade diante do mundo globalizado e de seus desafios. Deveremos pensar e apoiar uma experiência que está surgindo entre nós para fortalecer os laços fraternos entre povos que vivem em países do sul deste planeta. Com o nosso “sim” e a nossa adesão a este projeto favorecemos uma nova forma de Evangelização. Cristo Jesus vai se manifestar mais concretamente entre nós e através das Suas Obras que Ele quer realizar em nós e entre nós.

 

Finalizando gostaria mais uma vez expressar a nossa disposição por parte da CNBB Norte 2 em assumir uma caminhada em conjunto com a CEM e construir uma comunhão eclesial nova entre nossas Igrejas locais. Como os senhores bispos enxergam esta proposta? Ficaria feliz se já posso levar uma resposta para a minha Conferência Regional.

 

Quero agradecer ao Dom Lúcio e a todos os Bispos da CEM pelo convite de estar aqui durante a vossa reunião. Neste poucos dias pude conhecer um pouco mais o vosso país e a vossa Igreja Particular. Para mim é uma experiência muito enriquecedora e uma graça extraordinária. É um momento importante para nossas duas Igrejas. Muito obrigado! E que Deus abençoe a todos.